A cantora Nsoki Neto aponta a formação como a chave para o sucesso. Em entrevista à Angop, a artista, que passa em revista a sua carreira, afirma que, actualmente, a música angolana evoluiu
O que representa para si a música?A música, depois das minhas filhas e da minha família, tem uma importância enorme. Todas as minhas primeiras memórias envolvem música. Desde muito pequena, sempre estive envolvida nela. Na escola, sempre participei em grupos corais e teatrais que a envolviam. Comecei a aprender a tocar piano ainda criança, então, tenho uma conexão muito forte com a música.
Foi incluída, em Junho deste ano, numa lista das 100 africanas mais influentes, com menos de 40 anos. O que representa para si?
É verdade. Lancei a minha primeira música em Agosto de 2012. Estamos em 2019. Sinto que a minha carreira é curta, nem sequer canto há 10 anos, mas já aconteceram muitas coisas boas. E o facto de estar a ser incluída numa lista de jovens africanos influentes nos media e na cultura é a cereja no top do bolo. Ainda não consegui digerir bem. Graças a Deus, o sucesso das minhas músicas “Africa United” e “African Sunrise” abriu muitas portas em África e passei a ser conhecida fora dos PALOP. Fui premiada. Ser incluída nessa lista é mesmo excelente.

No mundo da música, que género mais a influencia?
Bebi de muitas figuras. Fui a Cuba com quatro anos de idade e ouvi muita música latina. Comecei por cantar em grupos corais. Fazia canto lírico e ouvia muita música clássica. Também vivi muito tempo nos Estados Unidos, ouvindo muito w&b, hip hop e, então, bebi muito das culturas por onde passei e hoje não consigo definir um estilo único que goste de ouvir.
Que músico (a) mais admira?
Gosto de tudo, desde André Mingas, Whitney Houston, Marie Carey e Yola Semedo. Gosto de muitos artistas, mas a cantora de que mais gosto é Whitney Houston.
Porquê?
Quando nasci, nos anos 80, Whitney Houston era uma das artistas mais famosas do mundo. Éramos “inundados” com a música dela. As suas músicas eram baladas muito fortes e ela tinha uma capacidade vocal fora do comum, que cativa todo o mundo, até hoje. A nível nacional, gosto de muitos artistas, gosto muito da Yola Semedo e de André Mingas, mas oiço de tudo.
Para além da Nsoki, há mais alguém na família com essa veia artística?
Sou a única na família. Existem parentes que cantam muito bem e tocam, mas em ambiente muito fechado.
Que avaliação faz da música angolana?
A música angolana evoluiu bastante. O mundo está a prestar-lhe bastante atenção. É notório quando pesquisamos no Youtube as visualizações. As nossas músicas já passam em canais internacionais, fruto também do esforço da nova geração.
Diz-se que o grande problema da nova geração de músicos angolanos está na transmissão das suas mensagens que não moralizam a sociedade…
Acho que temos de tudo. Temos boas músicas e bons conteúdos e também existem músicas com conteúdos duvidosos, que em nada ajudam a sociedade. Eu, por exemplo, houve uma altura em que queria fazer músicas com estilo mais dançante e toquei um bocado no estilo electrónico e afro-house. Normalmente, nesse género de música, fala-se sobre coisas que não são para todos os ouvidos. Senti aquela responsabilidade de tocar um tema que não é muito usual nesse estilo de música, no caso o Africa United, em que falo sobre a união dos africanos através da música, falo de paz, irmandade, e, felizmente, essa mensagem foi muito bem recebida.
Como vê a sociedade angolana actualmente?
É verdade que temos muitos problemas na economia, na educação, que afectam a todos. Temos dificuldades, mas, em toda parte do mundo, há dificuldades. Temos que saber lidar com as dificuldades, e, para isso, é necessário um esforço, de união e harmonia entre os angolanos.
Diante deste cenário, como é que vê Angola num futuro próximo?
Penso que haverá muitas melhorias, principalmente se todos nos envolvermos na resolução dos problemas sociais que afectam as comunidades.
Quais são as suas maiores preocupações enquanto cidadã, particularmente como artista?
Como artista, sinto que posso falar também pelos meus colegas. Temos muitas dificuldades. Não falo só da música, mas também da dança, do teatro. Temos carência de espaços para espectáculos.
É formada em Finanças…
É verdade. Antes de ser cantora, formei-me em Finanças. Fiz o mestrado virado para a indústria energética e trabalhei numa petrolífera. Estudei Medicina, troquei para Biologia, novamente troquei para Geologia, só depois fui parar em Gestão, porque não estava a encontrar-me. Já quis ser muita coisa e, se não fosse cantora/empresária, sinceramente não sei o que seria.
Vive da música?
Muitos artistas vivem só da música, mas é difícil, porque não dá o mesmo rendimento todos os meses. Há momentos altos e baixos. O rendimento não é fixo. Não quero, de maneira nenhuma, incentivar os jovens a pararem de estudar para cantar. O conselho à nova geração é estudar.
Quais os feitos que considera mais relevantes na sua carreira?
Desde que comecei por cantar, o que mais me marcou até hoje foi o meu projecto Africa United, pelo facto de ter partilhado o palco com grandes músicos africanos, como Davido. Fui convidada a cantar no maior festival de música africana, no Dubai. Foi também relevante a conquista do prémio de Melhor Música Electrónica Africana, em 2017. O show na Nigéria, para mim, foi muito marcante, por ter visto o público cantar o Africa United e vibrar de uma maneira incrível. Senti-me aceite e concretizei o meu grande objectivo: uma música a tocar por toda África. Hoje, dois anos depois, essa música continua a tocar em todo o continente africano.

A fama é algo que vem com o trabalho
Como lida com a mudança na sua vida: do anonimato para o estrelato?
Sou uma pessoa introvertida. Não gosto muito de dar nas vistas, mas, com a música, estou bastante exposta (só gosto de dar nas vistas quando estou em palco, porque tenho que interpretar). Mas lidar com a fama não é muito fácil. Não comecei a cantar para ser reconhecida, mas queria que a minha música fosse reconhecida. A fama é algo que vem com o trabalho e se vem é porque as pessoas estão a gostar do meu trabalho. Agradeço bastante toda a atenção e o carinho que o público me tem dado. Às vezes, não é fácil gerir a fama, porque posso não estar disposta no momento, nem preparada para tirar fotografias, e, às vezes, temos aquela tensão. Porém, tenho conseguido gerir a fama e estou muito feliz com o que consegui até agora.
Como tem conseguido conciliar a vida pessoal com a sua carreira?
Sou casada e tenho duas filhas. Ser artista, mãe, empresária e esposa não tem sido fácil, mas, quando há planificação, tudo é possível e eu tenho muito apoio familiar. Trabalho com uma equipa excelente e tem sido fácil fazer a gestão. O único problema é quando tenho de ficar muito tempo afastada da minha família, por motivo de trabalho.
Há alguém com impacto forte na sua família?
Os meus pais, que batalharam muito por mim, para dar uma educação sólida, sempre insistiram muito que eu estudasse, fizeram de tudo para que tal acontecesse. Tive a oportunidade de viver e de estudar fora, aprendi bastante, graças a eles. Hoje tenho uma formação, falo mais de três línguas (português, inglês, espanhol, italiano e percebo francês, porém mais na leitura). Sou uma pessoa centrada, séria, com foco, isso porque os meus pais investiram muito em mim.
Já pensou em cantar nessas línguas?
Já pensei e já o tenho feito. Já cantei em espanhol e inglês, mas fiz actuações, não que tenha lançado músicas. Não falo nenhuma língua nacional, mas já cantei em kikongo e também gravei com o tanzaniano Rayvanni, tendo ele cantado em swahili.

O que pensa da Lei do Mecenato?
Acredito que todo o apoio que pode ser dado à classe artística é bem-vindo. Como sabemos, existem várias dificuldades e todas as leis e regulamentos, que podem passar de forma a apoiar os artistas, eu apoio.
Estaria disposta a ajudar os outros artistas?
Também tive apoios quando comecei. Houve pessoas e instituições que me apoiaram bastante; no caso da Rádio Vial, ajudaram-me nas gravações, numa altura em que não era conhecida. Portanto, sempre que posso, ajudo e vou continuar a ajudar.
Na sua opinião, que lugar ocupa Angola no panorama musical africano?
Temos muito trabalho pela frente. Os nigerianos têm uma indústria muito forte. A África do Sul, a Tanzânia e o Quénia ainda têm mais popularidade do que nós. No mercado africano, somos os que menos cantam em línguas nacionais. Os artistas nigerianos que conheci cantam em inglês, mas também nas suas línguas nacionais e não percebem por que razão os angolanos não o fazem em línguas nacionais.
Que projectos tem em carteira?
Estou a promover as músicas “Olha a Força” e “Tukina”. Vou lançar o terceiro álbum, intitulado “Love and Dance”. Trata-se de um disco que está a ser trabalhado à base do zouk, kizomba, guetto zouk, baladas, afro-beat e afro-pop.

Que mensagem deixa a quem queira aventurar-se no mercado musical angolano?
Estar preparado para tudo: as coisas não acontecem da noite para o dia e, às vezes, para ter sucesso na música, leva tempo. Há quem comece a cantar hoje e só tem sucesso 10 anos depois; há quem comece a cantar hoje e hoje à tarde a música já toca em todo o lado. Depende, também, da sorte de cada um, depende da qualidade da música que fazemos, mas acho que os artistas têm que ser persistentes. O facto de não correr bem logo no início não quer dizer que mais tarde não terá sucesso. Todo o mundo deve fazer música pelos motivos certos. É uma questão de tempo. É difícil, mas compensa.